No Brasil, são quase seis milhões de Trabalhadoras Domésticas Remuneradas (TDR), oriundas de famílias de baixa renda, na sua grande maioria mulheres (mais de 90%), das quais 66% são mulheres negras. Os baixos salários, a informalidade e a desproteção são generalizadas na categoria: apenas 25% têm carteira assinada e somente 36% contribuem à previdência social.
Isso significa que três em cada quatro trabalhadoras domésticas não têm vínculo formal. Esta realidade é ainda mais crítica entre as mulheres negras e nas regiões Norte e Nordeste do país, nas quais menos de 15% delas têm carteira assinada.
As trabalhadoras domésticas são a principal categoria da força de trabalho remunerada de cuidados no Brasil: representam 25% do total. No entanto, 64,5% delas recebem menos que um salário mínimo, ou seja, quase dois terços.
Elas são um pilar na prestação de serviços de cuidados às famílias, mas, paradoxalmente, enfrentam sérias dificuldades para prover os cuidados necessários às suas próprias famílias e a si próprias.
As demandas de cuidado das trabalhadoras domésticas e as dificuldades por elas enfrentadas nessa área são o tema central de um estudo inédito, resultado de uma parceria entre a Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família (SNCF) do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), a Federação Internacional das Trabalhadoras Domésticas (FITH), e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Apesar do papel fundamental que elas desempenham nos cuidados das pessoas e das famílias, seus baixos salários, altas taxas de informalidade e longas jornadas de trabalho, dificultam muito suas possibilidades de atender às suas próprias necessidades de cuidado e as de suas famílias”
Laís Abramo, secretária nacional da Política de Cuidados e Família do MDS
O artigo da pesquisadora Maria Elena Valenzuela é intitulado: “As trabalhadoras domésticas remuneradas são trabalhadoras do cuidado: Elas têm direito a cuidar, a ser cuidadas e ao autocuidado”.
As informações foram obtidas por meio de um questionário respondido por 665 trabalhadoras domésticas de diferentes regiões do país, cuja aplicação fez parte da estratégia de participação social desenvolvida no processo de construção da Política e do Plano Nacional de Cuidados.
O objetivo foi registrar as demandas e propostas de diversos setores da população sobre o tema. A elaboração e a aplicação do questionário foi uma iniciativa da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) e da FITH, com o apoio do MDS.
O documento reforça um princípio fundamental da Política Nacional de Cuidados: as trabalhadoras domésticas remuneradas são profissionais do cuidado. Elas provêm cuidado direto e indireto para as famílias que as contratam, desempenhando funções essenciais para o bem-estar social e para o funcionamento da economia. No entanto, esse mesmo cuidado que ofertam às famílias de outros é negado a elas e às suas próprias famílias.
A secretária nacional da Política de Cuidados e Família do MDS, Laís Abramo, destacou que o estudo confirma uma realidade há muito denunciada pelas trabalhadoras domésticas e suas organizações, mas que ainda permanece em grande medida invisibilizada.
“Apesar do papel fundamental que elas desempenham nos cuidados das pessoas e das famílias, seus baixos salários, altas taxas de informalidade e longas jornadas de trabalho, dificultam muito suas possibilidades de atender às suas próprias necessidades de cuidado e as de suas famílias”, frisou Laís Abramo, que completou: “Com a aprovação da Política Nacional de Cuidados (Lei n°15.069/2024) as trabalhadoras domésticas são consideradas públicos prioritários dessa política”.
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Trabalhadoras invisíveis
Entre madrugadas silenciosas e ônibus lotados, milhares de mulheres atravessam cidades com o corpo exausto e o coração apertado, carregando o peso de uma rotina invisível aos olhos da sociedade. São histórias de resistência de quem cuida das casas e filhos dos outros, enquanto os seus próprios filhos aguardam em casa. Gilmara e Djane são dois desses milhões de rostos.
Gilmara Gomes de Sousa, 41 anos, acumula 25 anos de trabalho doméstico. Começou aos 16 e, desde então, sustenta sua família com uma rotina marcada por esforço contínuo e pouco reconhecimento. “Meu maior desafio no trabalho é cumprir o horário. A gente perde muito tempo no deslocamento por causa do transporte público ruim. Sem falar na distância”, desabafou.
O sonho de Gilmara é poder cuidar de si e da sua família: “Dar uma boa educação para os meus filhos, conquistar uma casa e ter uma velhice com estabilidade.” Apesar da carteira assinada, ela ainda precisa fazer faxinas extras para complementar a renda. “Um salário mínimo não dá para tudo: aluguel, feira, remédios… E muitos que contratam também têm dificuldades financeiras.” Mesmo diante do cansaço físico e emocional, ela segue firme. “A gente cuida da casa dos outros e da nossa. Tem que se virar. É muito cansativo, mas não temos escolha.”
O estudo aponta que sete em cada dez trabalhadoras domésticas remuneradas se sentem cronicamente cansadas. A sobrecarga física e emocional é agravada por fatores como os tempos de deslocamento, ausência de direitos, pressão para sustentar o lar e o sentimento de culpa por não conseguir dedicar tempo suficiente aos filhos e filhas.
Essa condição afeta especialmente as trabalhadoras que são chefes de família (57,1%), sendo que em 34% dos casos trata-se de mães solo. A combinação entre jornadas longas, baixos salários, informalidade e ausência de redes públicas de apoio afeta negativamente a qualidade de vida tanto dessas mulheres quanto de seus filhos e filhas.
Djane Clemente do Nascimento, 58 anos, começou a trabalhar ainda criança. “Meus pais me deram uma vassoura e um fogão de brinquedo. Já era um direcionamento: mulher nasce para ser trabalhadora doméstica.”
Hoje, após décadas de dedicação, encara uma rotina exaustiva, marcada por longos deslocamentos e falta de reconhecimento. “Não somos valorizadas nem como profissionais nem como pessoas. Ainda vivemos uma escravidão moderna: sem hora de almoço, sem descanso, sem direitos garantidos.”
Indignada, ela procurou o Sindicado das Trabalhadoras Domésticas de Pernambuco e se engajou na causa. “Precisamos de equiparação salarial e dignidade. A na carteira é um direito, mas é ignorado em muitos lares. E muitas de nós nem conhecem esses direitos. Falta informação e apoio para que possamos dialogar com nossos empregadores.”
Atenta a esse cenário, a Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família do MDS incorporou, desde o início, a escuta ativa das trabalhadoras domésticas e suas organizações na elaboração da Política e do Plano Nacional de Cuidados.
As propostas apresentadas pela Fenatrad foram fundamentais para moldar um plano que busca garantir condições de trabalho decente para as trabalhadoras domésticas e avançar na garantia do seu direito ao cuidado.
Avanços importantes
Nos últimos anos, o Brasil avançou em marcos legais relevantes, como a Emenda Constitucional nº 72 (2013) e a Lei Complementar nº 150 (2015), que ampliaram os direitos da categoria. Em 2024, o Brasil ratificou a Convenção nº 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata do Trabalho Decente para as Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticas.
Segundo a secretária Laís Abramo, a ratificação da Convenção nº 189 reafirma o compromisso do Brasil com os padrões internacionais de trabalho decente para a categoria. “A convenção avança nos direitos das trabalhadoras domésticas, proporcionando proteção contra abusos, assédio ou violência, e estabelecendo princípios e direitos básicos, sem distinção entre trabalhadoras com base no número de dias trabalhados para cada empregador.”
Para a especialista sênior em Gênero, Igualdade e não Discriminação para a América Latina e o Caribe da OIT, Paz Arancibia, embora tenha havido avanços normativos, ainda existem desafios para a efetivação dos direitos dessas trabalhadoras, expressos nos altos níveis de descumprimento das determinações legais. “Para enfrentar essa realidade, é fundamental compreender que não se trata apenas de garantir o a direitos formais, mas também de combater estigmas e barreiras que naturalizam a discriminação e a precarização do trabalho doméstico”, explicou.
Para o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, o Plano Nacional de Cuidados será mais um o no enfrentamento das desigualdades que atravessam séculos. “A Política Nacional de Cuidados não trata apenas de ampliar serviços ou garantir direitos formais – ela inaugura uma nova forma de olhar para o trabalho que sustenta a vida. É um reconhecimento de que o cuidado, exercido majoritariamente por mulheres negras e pobres, precisa deixar de ser invisível e informal para se tornar central nas políticas públicas, na economia e na construção de um país mais justo.”
O MDS coordenou, juntamente com o Ministério das Mulheres, a elaboração do plano. Como parte de sua implementação, ações concretas com impacto positivo direto para as trabalhadoras domésticas já estão sendo realizadas, como um importante programa de formação profissional, o Mulheres Mil: Trabalho Doméstico e de Cuidados.
A capacitação amplia as possibilidades de contratação formal e elevação salarial das trabalhadoras e as valoriza enquanto pessoas e profissionais. Em 2024 foram ofertadas 900 vagas exclusivamente para elas no âmbito do programa. Este ano, além de uma segunda rodada com mais 900 vagas exclusivas, serão ofertadas outras dez mil vagas em cursos profissionalizantes sobre cuidado para o público geral.
Ações de outros ministérios já em andamento são fundamentais para a categoria: o reconhecimento de entidades sindicais de empregadores domésticos, fator fundamental para promover a negociação coletiva no setor, e a publicação, pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (SIT/MTE), de uma orientação técnica assegurando a aplicabilidade das normas de saúde e segurança no trabalho para as trabalhadoras domésticas.
Ainda no campo da fiscalização do trabalho, foi criada na SIT/MTE a Coordenação Nacional de Fiscalização do Trabalho Doméstico e de Cuidados (Conadom), com a ampliação de ações nas Superintendências Regionais do Trabalho e de capacitação de auditores fiscais do trabalho.
Assessoria de Comunicação – MDS
Fonte: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome